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Grupo Tortura Nunca Mais homenageia movimentos solidários no Rio de Janeiro

Por Carolina Vaz

Ditadura Nunca Mais: a frase que ecoa no Brasil há mais de três décadas. Os 57 anos do Golpe que levou à Ditadura Militar no Brasil, em 1964, foram lembrados pelo Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM/RJ) através da homenagem que acontece todo ano: a Medalha Chico Mendes de Resistência. Esta se dedica a valorizar lutas de indivíduos ou organizações, denunciando a violência de Estado, no Brasil e fora dele. É, também, uma contraposição à Medalha do Pacificador, uma homenagem do Exército que em muitas ocasiões homenageou e ainda homenageia agentes da Ditadura.


Desta vez, a 33ª Medalha Chico Mendes de Resistência Emergencial em Tempos de Pandemia e Genocídio homenageou, em 1º de Abril, via Youtube, a Fiocruz, o Cacique Aritana Yawalapiti (in memoriam) e as Redes de Solidariedade nas Favelas do Rio de Janeiro. A medalha referente às Redes de Solidariedade ficará no Museu da Maré e foi recebida pelo diretor do Museu e do CEASM Luiz Antonio de Oliveira.


As homenagens foram realizadas por Rafael Maul e Joana D’Arc, membros da Diretoria Colegiada do GTNM/RJ, que falaram da importância dos grupos auto organizados no combate aos efeitos da pandemia nas favelas e periferias, na cidade e no campo, em todo o país. Eles destacaram as ações de comunicação levando informações sobre contágio e prevenção, a distribuição de máscaras, água, material de higiene, cestas básicas e quentinhas e afirmaram a destinação da homenagem às redes que atuam contra a política genocida do Estado.


O combate à pandemia pelas redes de solidariedade


Muitos dos grupos homenageados fizeram falas na homenagem, abordando a resistência dos movimentos até hoje, apesar de em 2020 o ritmo de doações e distribuições ter sido mais intenso. Os desafios são muitos: o massivo desemprego, as cruéis alternativas entre ficar em casa e não ter renda ou sair para trabalhar e se colocar em risco, os preços dos alimentos que só sobem, diminuindo a quantidade de cestas básicas acessíveis com um mesmo valor, entre muitos outros. Gizele Martins, representando a Frente Maré, falou sobre a ação no território que atendeu mais de mil famílias com cesta básica, itens de higiene, água, quentinhas e até mesmo pagando enterro.


Museu da Maré como guardião da medalha


O diretor do CEASM, em sua fala, destacou o caráter histórico da auto-organização e da solidariedade dentro da favela, a exemplo da própria Maré. Essa é uma luta com um passado histórico, necessária em função da invisibilização e exclusão dos pobres e favelados do Rio de Janeiro. Ele caracterizou a medalha como um símbolo da resistência mútua e da construção de uma memória de luta referente a esse tempo de pandemia. A homenagem à auto-organização e à solidariedade comunitária estão de acordo com o espaço onde ficará a medalha. “É um trabalho de base, o primeiro museu criado dentro da favela, na cidade do Rio, construído pelos moradores da Maré, que são os que hoje mantêm esse Museu. Com vários parceiros, mas construído dia a dia pelos moradores”, afirmou.


Segundo Rafael Maul, do GTNM/RJ, um dos motivos da escolha foi a identificação do grupo com espaços de memória da resistência: “O Museu da Maré é um espaço de memória de luta favelada. Por entender isso, e a questão dos espaços de memória é muito cara ao Grupo Tortura Nunca Mais, entendemos que esse Museu, vivo como ele é, seria um bom lugar para ter a guarda dessa medalha”.


As perdas da favela


A lembrança de toda essa luta que já completa um ano levou à homenagem de pessoas queridas que perderam a vida para a violência do Estado e para o Covid. Kim Ramos, do Pré-vestibular Machado de Assis, no Morro da Providência, lembrou uma ação de distribuição de cestas que, em maio de 2020, foi interrompida por uma ação policial que assassinou Rodrigo Cerqueira enquanto confraternizava com os amigos. O jovem era camelô e morava na Ocupação Elma, que veio a pegar fogo em final de março. Também foi lembrada Daiana Ferreira, criadora do projeto Ballet Manguinhos, que por muito tempo lutou para que o projeto tivesse um espaço próprio e beneficiasse o bairro. Ela foi vítima da Covid e faleceu em janeiro deste ano. Uma das apresentadoras da homenagem, Joana D’Arc Ferraz, lembrou que a Ditadura inaugurou a violência dentro das favelas, deu início a certos poderes paralelos e os fortaleceu. Assim, até hoje, permanecem o autoritarismo e violência do poder militar nesses territórios. “Na favela a Ditadura nunca acabou”, afirmou.


Homenagem à Fiocruz e ao Cacique Aritana Yawalapiti


A homenagem do Grupo Tortura Nunca Mais à Fiocruz foi recebida pela presidente da Fundação, Nísia Trindade, que enviou um vídeo de agradecimento. Ela destacou o reconhecimento pela atuação da Fiocruz na atenção à saúde, no centro hospitalar dedicado à Covid-19 e, agora, o intenso trabalho para a entrega de vacinas. Segundo Nísia Trindade, receber a medalha Chico Mendes é um reconhecimento do trabalho em prol dos Direitos Humanos, e a ciência e a tecnologia em saúde só podem se realizar em um ambiente democrático. A homenagem ao Cacique Aritana Yawalapiti, do Alto Xingu no Pará, falecido no ano passado vítima da Covid-19, não pôde ser comentada por seu parente por falta de conexão, mas a produção do evento reproduziu uma homenagem em vídeo mostrando sua luta pela vida de seu povo e pela defesa do território e da natureza.


Em entrevista, Rafael Maul explicou que, em 2021, a organização decidiu fazer apenas três homenagens, porém representativas. No caso da Fiocruz, foi uma homenagem a todos os profissionais que trabalham na saúde, sejam da medicina, enfermagem, motoristas, limpeza, todos. Também foi um reconhecimento do esforço da Fundação no combate à pandemia, principalmente na produção de vacina. O cacique Aritana representa uma homenagem a toda a luta indígena, inclusive na preservação da vida nesse momento de genocídio, tendo sido o homenageado uma vítima do Covid. A homenagem às redes de solidariedade chama a atenção para um processo de luta das favelas e periferias, e por extensão uma homenagem à luta negra também. “Nós pensamos homenagens que pudessem simbolizar lutas históricas, amplas e ao mesmo tempo a resistência à pandemia e ao genocídio, que vem antes da pandemia mas com ela se agravou”, resumiu.

Nísia Trindade, presidente da Fiocruz. Foto: Peter Illicciev / Fiocruz.


Cacique Aritana: símbolo da resistência indígena, faleceu vítima do Covid. Foto: Unifesp.


O evento ainda contou com apresentações musicais da banda El Efecto, André Grabois, Mano Tekko e Chico César. Na finalização, Chico César apresentou uma canção homenageando os mortos pela pandemia, dizendo “se números frios não tocam a gente, espero que nomes consigam tocar”.


A homenagem terminou com os presentes lembrando o lema do grupo: pela vida, pela paz, tortura nunca mais.


É possível ver a homenagem completa no Youtube.


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