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Coletivo Corte, da Maré, vence Festu como melhor esquete teatral

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    contatoekloos
  • 26 de ago.
  • 9 min de leitura

Atualizado: 29 de ago.

Entrevistas: Ana Cristina da Silva e Carolina Vaz

Foto de capa: Any Duarte
Foto de capa: Any Duarte

Uma prostituta que se vê carregando um filho “sem pai” é expulsa do bordel onde morava, na cidade de Santos (SP). Um menino que mal conhece a mãe, pois esta tira a própria vida após seu nascimento tomando querosene. Ele é chamado de Querô, como uma piada de mau gosto sobre a morte da própria mãe. Daí para a frente, a vida de um garoto periférico sem privilégios nem oportunidades, passando pelos mundos do crime e do reformatório, é o que compõe a história de “Querô, uma reportagem maldita”. Foi essa história, brilhantemente encenada, que fez o coletivo Corte, formado por artistas do Entre Lugares Maré, conquistar três prêmios e uma indicação na Festa do Teatro, o FESTU, no dia 3 de agosto. Eles levaram ali o principal prêmio do festival, que é Melhor Esquete, e, ainda, Melhor Direção para a diretora Gabriela Luiz e Melhor Cenografia. Também foram indicados em Melhor Ator para Thiago Manzotti, melhor direção de movimento e “melhor esquete pelo júri popular”. 

Em entrevista, o elenco contou sobre a experiência de trabalhar esse texto, iniciada em 2024. Tudo começou nos ensaios para o 11º Festival de Cenas Curtas do Entre Lugares Maré, no Museu da Maré. Dentre vários grupos formados para encenar textos, havia o de Thiago Manzotti, Roger Neri, Fernanda Pontes e Yasmim Rodrigues, com o texto “Querô, uma reportagem maldita”. Da autoria de Plínio Marcos, o texto para o teatro data de 1978 e é uma adaptação do romance, publicado em 1976. Já falecido, Plínio Marcos foi escritor, ator, dramaturgo, diretor de teatro e jornalista, tendo abordado em muitas produções a população marginalizada.


Edson Martins e Thiago Manzotti na cena Querô, em 2024. Foto: Raysa Castro.
Edson Martins e Thiago Manzotti na cena Querô, em 2024. Foto: Raysa Castro.

Ali, no galpão do Museu, com aquele texto em mãos, os quatro artistas decidiram primeiro agregar Edson Martins ao grupo. Depois, preferiram não competir com as demais cenas, para que pudessem explorar melhor o texto e suas potências sem pensar na premiação. “A gente queria abstrair a competição das nossas mentes pra poder trabalhar mais em paz e ser mais criativo, brincar com as possibilidades”, conta Thiago Manzotti. A apresentação foi mais longa do que as demais, mas teve seu impacto, finalizando com fortes aplausos.


Na cena, Thiago Manzotti e Roger Neri; primeira apresentação, em 2024. Foto: Raysa Castro
Na cena, Thiago Manzotti e Roger Neri; primeira apresentação, em 2024. Foto: Raysa Castro

Após o Festival, o grupo, agora Coletivo Corte, queria encenar mais vezes, mas tiveram dificuldades para conseguir os direitos autorais sobre a peça. Diante da negativa da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), houve um breve período de desânimo, mas através da também atriz Mila Moura eles conheceram Aninha Barros, filha do autor Plínio Marcos. O grupo encenou Querô para ela e a produtora autorizou o uso do texto. Essa conquista foi por volta de maio deste ano, exatamente quando estavam abertas as inscrições para o Festu. E eles foram.

Querô, do coletivo Corte, no início de junho, era uma entre mais de 200 cenas inscritas para o Festu. Depois, cerca de 30 foram para uma banca, apresentadas para dois jurados, e Querô foi junto. Na metade de julho, já era divulgada como uma das cenas concorrentes que estariam no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, em duas semanas. No sábado, 2 de agosto, foi a primeira a subir no palco. Na mesma noite, o coletivo descobriu que iria para a final. No domingo, dia 3, eles se apresentaram novamente e só saíram dali com os três prêmios em mãos.


Elenco do coletivo Corte, da esquerda para a direita: Lucas da Silva, Fernanda Pontes, Roger Neri, Edson Martins, Yasmim Rodrigues, Thiago Manzotti e Jade Cardozo. Foto: Ana Cristina da Silva.
Elenco do coletivo Corte, da esquerda para a direita: Lucas da Silva, Fernanda Pontes, Roger Neri, Edson Martins, Yasmim Rodrigues, Thiago Manzotti e Jade Cardozo. Foto: Ana Cristina da Silva.

Confira abaixo a entrevista com o elenco.


O Cidadão: Por que o coletivo focou no Festu?

Roger Neri:

Inicialmente, como a gente já saiu de um festival com o discurso de não querer concorrer, nessa animação de conseguir autorização do texto, surgiu a possibilidade de a gente se inscrever no Festu. Não era uma coisa que a gente almejava. A gente não queria uma competição, mas a gente viu a possibilidade de ganhar uma visibilidade e testar as nossas potências, sabe? Porque, querendo ou não, foi o coletivo Corte que criou essa cena. Então foi isso… a gente não tinha a pretensão de se inscrever no Festu, aconteceu de uma animação de ter conseguido o texto.


Roger Neri se envolveu com o texto desde o primeiro ensaio. Foto: Ana Cristina da Silva.
Roger Neri se envolveu com o texto desde o primeiro ensaio. Foto: Ana Cristina da Silva.

O Cidadão: Teve alguma mudança da cena quando foi do Festival para o Festu?

Yasmim Rodrigues:

Teve mudança. A nossa cena tinha 20 minutos no total, a gente teve que reduzir em 10 minutos, e a gente teve que modificar algumas coisas como a iluminação.


Thiago Manzotti:

A Jade entrou para o elenco, houve uma mudança porque antes o Roger fazia 3 personagens, a Jade chegou ficando com duas que são a delegada e a Tainha. Então houve um pouco a mudança dessa encenação para entender e acolher essa nova personagem, interpretada por uma nova atriz, dentro do coletivo. (…) E teve a adição da Gabriela Luiz na direção. Quando a Gabi chega, ela chega unindo forças e potência com todo o poder e sabedoria dela, trazendo os refinamentos, o olhar dela para algumas situações que ela via de fora. Trouxe um direcionamento mais sagaz para que a gente tivesse a cena mais refinada para poder participar do Festu.


Jade Cardozo entrou para o elenco em 2025. Foto: Ana Cristina da Silva.
Jade Cardozo entrou para o elenco em 2025. Foto: Ana Cristina da Silva.

O Cidadão: O que vocês acham que fez vocês vencerem?

Yasmim Rodrigues:

Eu acredito que seja a pauta que nós levamos para o festival. Que não é uma história que é contada, eu sinto isso… sinto que não é uma história contada no dia a dia. Está nos nossos olhos mas a gente não enxerga, sabe? Então acho que pra mim foi isso que fez a gente ganhar.


Thiago Manzotti:

Eu acho que pra além do texto foi a forma que a gente fez. Como a gente utilizou da decadência, e eu uso a palavra decadência como falta de acesso e não como coisa ruim. (…) Graças a Deus temos o Entre Lugares que é um espaço que promove a criatividade e faz com que a gente olhe ao nosso redor e na nossa falta encontre como brincar com ela. Foi quando chegaram os latões, foi quando chegou o espaço delimitado, foi quando chegou essa vontade de fazer a cena e brincar também com a imaginação do telespectador.


O Cidadão: E como estava a expectativa de vocês? Vocês são o segundo grupo do Entre Lugares a ganhar o Festu… como foi o dia da premiação?

Fernanda Pontes:

Eu no domingo fiquei pensando: eu cheguei até aqui. Então eu já estava muito grata de ter chegado até ali, independente do resultado de a gente ganhar alguma coisa eu estava muito feliz porque a gente saiu daqui, passou em duas fases, eu já estava muito grata. Porque se não ganhasse ali, eu sabia que a gente tinha muita capacidade de ir pra outros lugares, fazer outros editais, outras coisas. Então quando anunciou ali… deu aquele suspense e quando falou Querô… eu estou até agora assimilando as coisas! Fiquei sem reação!


Atriz experiente no Entre Lugares, Fernanda conta do nervosismo para a final do evento. Foto: Ana Cristina da Silva.
Atriz experiente no Entre Lugares, Fernanda conta do nervosismo para a final do evento. Foto: Ana Cristina da Silva.

Thiago Manzotti:

Tinha esse nervosismo mas realmente tinha muita confiança também nesse trabalho bonito que a gente tem, de coletividade, muita crença um no outro. A gente fala isso antes de entrar em cena: te amo, confio em você.


Jade Cardozo:

A minha expectativa foi bem grande, porque são artistas imensos né, e já eram referências pra mim quando eu os conheci. Então quando eu fui convidada para entrar no coletivo eu já imaginei tipo assim… isso vai dar muito bom! E participar do Festu é uma coisa que eu jamais imaginaria estar fazendo, três anos atrás eu nem fazia teatro. (…) Então, depois que a gente passou pelas bancas, e teve aquele evento maravilhoso, e a gente apresentou lindamente… foi aquilo, a gente fez com muita garra e conseguiu!


O Cidadão: Vocês já pensam em fazer outras apresentações, ou como coletivo fazer outras produções com outro texto?

Thiago Manzotti:

Dentro da nossa pluralidade a gente já estava pensando que dentro do coletivo Corte a gente pode fazer performances em duplas, em trios, não à toa a gente produziu a festa Noite das Delícias pra angariar fundos pra nossa mobilização entre Museu da Maré e FESTU. E dentro dessa festa nossos corpos foram atrações também, a gente se apresentou, então além disso, através do FESTU, a gente foi inclinado a fazer ações sociais que pra gente foram de grande valor.


Thiago Manzotti interpreta o protagonista, Querô, e foi indicado como melhor ator no festival. Foto: Ana Cristina da Silva.
Thiago Manzotti interpreta o protagonista, Querô, e foi indicado como melhor ator no festival. Foto: Ana Cristina da Silva.

O Cidadão: O que representa pra vocês, pessoalmente, contar a história de Querô?

Thiago Manzotti:

Poder representar essa cena é também um grito pela minha existência. Dizer: é assim. Ele é visceral, nós somos viscerais porque a gente tem essa necessidade de fazer arte. Nos é negado o acesso toda hora, nos é trazido a dúvida a toda hora. (…) Fazer Querô pra mim também é esse lugar de validação de ser no mundo. Sou um ser pensante, político, preto, que existo e tento fazer a mudança dentro da minha área, da minha comunidade, do que eu acredito.


Fernanda Pontes:

É um texto que tanto me mudou como outras pessoas que vêem começam a ver a vida de outra forma. Acho que Querô é pra isso, pra você ver e quando vê aquela pessoa na rua, você passa a ver com outros olhares. Geralmente a gente passa e é só mais um corpo, mais uma pessoa, não é nada. (…) A gente quer fazer mudança, ajudar as pessoas.


Roger Neri:

Querô me toca de uma maneira muito sensível e pessoal, no sentido de que eu também já fui um morador de rua por um momento da minha vida, onde eu fui resgatado pelo projeto Entre Lugares. E é muito complicado… eu olhar pra esse texto e, depois de a gente ter feito essa cena, ter essa consciência e olhar pra essas pessoas de uma maneira diferente. Acho que só quem viveu ou teve uma experiência parecida sabe como ajudar as necessidades que as pessoas têm morando na rua. A questão de segurança, a questão de acolhimento, alimentação (…) É um pouco da gente, é o racismo, é o preconceito, é a falta de acesso. Querô não teve uma família, não teve uma mãe, não teve estudo, e é a realidade de muitas pessoas aqui no Brasil.


Yasmim Rodrigues:

Querô me pegou num lugar muito sensível porque é muito louco pensar que um filho não terá o futuro que ele deveria ter, um futuro bom, pelo que a sociedade fez com a mãe. (…) E acho que por ser um texto bem explícito a gente queria passar informação pras pessoas, abrir os olhos delas, de como as pessoas (em situação de rua) são tratadas, como elas não são vistas. Por isso a gente quer muito levar essa peça pra frente, e espero que toque mais pessoas também.


Yasmim Rodrigues conquistou o prêmio em sua primeira participação no Festu. Foto: Ana Cristina da Silva.
Yasmim Rodrigues conquistou o prêmio em sua primeira participação no Festu. Foto: Ana Cristina da Silva.

Edson Martins:

Esse texto me fez ver essas pessoas consideradas invisíveis pela sociedade. (…) Quando eu estava indo trabalhar eu não reparava que via os Querôs, são Querôs que estão nas ruas que a sociedade não olha. Quando eu comecei a fazer o texto comecei a me sentir mais sensível a essas pessoas, a olhar.


O Cidadão: Vocês podem falar mais sobre as ações sociais que vocês fizeram segundo a proposta do Festu?

Roger Neri:O Festu tem como proposta fazer duas ações sociais, uma voltada ao meio ambiente e outra a instituições que ajudem pessoas atípicas. (…) Então eu propus ao coletivo a gente mostrar na ação como a gente pode ajudar. Eu trabalho num mercado, então conversei com o gerente e perguntei se poderia ter uma parceria. Ele aceitou, doou muitos alimentos para a gente e a Fernanda agiu de prontidão, muitas pessoas se voluntariaram a ajudar preparando refeições. Foi uma ação muito bonita, em que muitas pessoas se voluntariaram pra ajudar. Eu fiquei muito emocionado de ver que as pessoas querem ajudar, têm um coração bom. Fizemos uma produção de 50 quentinhas e fomos doar em Bonsucesso.


Thiago Manzotti:

A nossa segunda ação foi, juntando entre nós e com a turma do Entre Lugares, uma doação de roupas para o coletivo Especiais da Maré. A gente entrou em contato com a Juliana Mesquita e conseguiu fazer, viramos parceiros.


Grupo distribuiu 50 refeições em Bonsucesso. Foto: Ana Cristina da Silva.
Grupo distribuiu 50 refeições em Bonsucesso. Foto: Ana Cristina da Silva.
O Cidadão: Para finalizar: como foi feita a escolha de nome do coletivo?

Fernanda Pontes:

A gente perguntou ao Tiago e a Renata (professores do projeto Entre Lugares), e a Renata falou “corte”. A gente ficou assim: corte? No início não entrou muito na minha mente mas agora é a coisa mais normal falar Coletivo Corte!


Thiago Manzotti:

Na cena ela entendeu já qual era a nossa intenção e o que a gente fazia. Por ter esse olhar de fora, ela foi ali certeira, a gente queria negar e depois falamos: realmente, cada um vem de um recorte diferente, de lugar, de vida, de urgência no momento… Nós realmente somos esse coletivo que chega pra cortar esse preconceito, pra cortar esse olhar diferenciado, e pra abrir espaço para que outros como nós passem.


 
 
 

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