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Museu da Maré recebe obras da Escola de Belas Artes da UFRJ


Por Carolina Vaz, publicado originalmente no Jornal O Cidadão.

Foto de capa: José Bismarck


A exposição “Os Tempos da Maré”, no Museu da Maré, ficará um pouco diferente até meados de dezembro; ela foi transformada por uma intervenção de obras de 14 artistas, em grande parte alunos da Escola de Belas Artes da UFRJ (EBA/UFRJ). A inauguração de “PREAMAR: Intervenções no Museu da Maré” aconteceu na quinta-feira, dia 28 de setembro. A maioria das obras são inéditas e pensadas especificamente para dialogar com a exposição de longa duração do Museu. A ação faz parte do projeto de extensão “Intervenções arte contemporânea em museus do estado do Rio de Janeiro”, coordenado pela professora Beatriz Pimenta, que compõe o grupo de curadores junto com os professores Ivair Reinaldim e Dinah de Oliveira, além da graduanda Clarelis da Silva. A inauguração contou com uma visita guiada dos artistas e professores.

Conexões UFRJ-Maré

Grande parte dos trabalhos dialogam com a exposição do Museu e com a própria história da Maré, estabelecendo uma relação direta com os elementos já presentes no espaço. Uma das primeiras obras é “TUC III: Exu do Lodo, O CORPOMANGUE”, escultura posicionada no Tempo da Água. Nela, o estudante Gabe Gamaliel se inspirou no passado da região, que contava com grandes áreas de mangue, e utilizou materiais como tijolos de adobe no interior para sustentar a obra tal como sustentavam casas no passado, enquanto toda essa composição traz a entidade Exu. Nessa representação, estabelece a relação passado e presente, orgânico e inorgânico, sendo Exu essa interseção entre os dois tempos e as duas formas.

Gabe Gamaliel posicionou sua obra no Tempo da Água, referenciando o passado da Maré. Foto: José Bismarck.
Gabe Gamaliel posicionou sua obra no Tempo da Água, referenciando o passado da Maré. Foto: José Bismarck.

Já no Tempo do Trabalho está a obra de Sara Tostes, composta por uma cadeira que já não pode ser usada para sentar, e levantando a reflexão sobre a utilidade de objetos tão presentes em situações sociais mas que, em algum momento, tornam-se “inúteis”. Ela utilizou linha de costura para envolver a cadeira e reproduziu depoimentos de visitantes do Museu em folhas de papel, como uma forma de mostrar que existem histórias nos objetos.

A obra de Sara Tostes ficou entre o Tempo da Feira e o Tempo do Trabalho. Foto: José Bismarck.
A obra de Sara Tostes ficou entre o Tempo da Feira e o Tempo do Trabalho. Foto: José Bismarck.

Entre a casa de palafita, ou Tempo da Casa, e os tempos do Trabalho e da Fé, está uma enorme pipa com a palavra “sonho” bordada, produzida pela psicóloga mareense Vanessa Américo. Na rabiola da pipa ficam presos mais de 200 papéis onde mareenses escreveram seus sonhos, todos coletados pessoalmente por Vanessa, que é também estudante de pintura na UFRJ. Em sua primeira obra em 3D, fora do campo da pintura, ela quis fazer algo voltado para os moradores, para a Maré, para o seu local de convívio.

Alguns dos sonhos presentes na pipa. Foto: José Bismarck.
Alguns dos sonhos presentes na pipa. Foto: José Bismarck.

A pipa foi o primeiro trabalho em 3D de Vanessa Américo. Foto: José Bismarck.
A pipa foi o primeiro trabalho em 3D de Vanessa Américo. Foto: José Bismarck.

“A pipa está no alto para mostrar que a gente também tem que sonhar alto. A nossa realidade é dura demais e eu acho que é importante a gente nunca deixar que a realidade anule nossa capacidade de sonhar”.

Vanessa Américo


O Tempo da Fé, desde sempre muito diverso, recebeu um novo item de sincretismo religioso: a obra “O Machado e a Chave”, dos arte-educadores do Museu Flávio Vidaurre e Matheus Frazão. Nessa obra, a escultura de São Pedro já presente no espaço recebeu uma chave, e à frente dele foi instalado um acrílico com a pintura de Xangô e seus machados. Segundo Cláudia Rose, diretora do Museu que estava representando Matheus Frazão, a proposta da obra foi trazer esse diálogo entre um orixá e um símbolo tradicionalmente católico, mas que no sincretismo muitas vezes são relacionados. A chave na mão de São Pedro e o machado de Xangô simbolizam o poder da justiça e de abrir portas, abrir diálogos e superar estigmas.

A peça foi estrategicamente posicionada para que fosse possível ver a imagem de São Pedro por trás. Foto: José Bismarck.
A peça foi estrategicamente posicionada para que fosse possível ver a imagem de São Pedro por trás. Foto: José Bismarck.

Passando para o Tempo da Criança, os artistas Daniel Gore e Elisa Glener construíram obras interativas para que as crianças possam utilizar, mas ao mesmo tempo são cheias de significado. “Entre tempos”, de Elisa Glener, é um retorno ao seu passado, quando foi uma criança moradora de favela e construía uma “cabana” caseira para brincar, ativando uma sensação de segurança. Segundo ela, a obra foi inspirada nessa necessária sensação de segurança que as crianças têm em meio a episódios de violência. Já os capacetes confeccionados por Daniel Gore trazem o tema da representatividade: ao visitar o Museu para pensar sua obra, ele conheceu o Tempo da Criança e pensou em fazer algo no qual elas pudessem ser super-heróis e super-heroínas. Inspirado em crianças que estavam no espaço, ele primeiro fez a ilustração que compõe o cartaz e, depois, finalizou os capacetes. “Na infância é onde está a base da nossa vida e é muito importante a gente se sentir representado. A criança sempre tenta se identificar com algum personagem num jogo, num desenho”, contou.


Elisa Glener escreveu na cabana nomes de brincadeiras de crianças. Foto: José Bismarck.
Elisa Glener escreveu na cabana nomes de brincadeiras de crianças. Foto: José Bismarck.

Daniel Gore reproduziu em cartaz crianças que visitavam o Museu, agora transformadas em super-heróis. Foto: José Bismarck.
Daniel Gore reproduziu em cartaz crianças que visitavam o Museu, agora transformadas em super-heróis. Foto: José Bismarck.

Já no Tempo do Medo, que tem como um de seus temas a violência, foi instalada a obra “Pietàs do Kháos”, do artista Kháos, que confeccionou em gesso versões de cápsulas de armas, posicionados abaixo de colagens de frases de Marinete Silva, mãe de Marielle Franco. A obra também fala dele mesmo, um homem negro à mercê da violência do racismo, e é complementada pelas rosas brancas que representam a esperança. No evento, ele foi representado pelo professor Ivair Reinaldim.

Obra no Tempo do Medo referencia Marielle Franco. Foto: José Bismarck.
Obra no Tempo do Medo referencia Marielle Franco. Foto: José Bismarck.

Bem próxima está “Enredo”, obra de Ale Moret composta por fios diversos (fios de alta tensão, cabos de telefone, etc) instalados na Sala do Futuro. A obra é, ao mesmo tempo, uma crítica à poluição visual dos fios cada vez menos presente em bairros abastados mas que persiste em áreas periféricas da cidade, e uma referência à vida cotidiana. A autora quer mostrar que as comunidades são cheias de conexões, que as pessoas se conhecem e estabelecem intimidade de um modo incomum em outros bairros.

Obra Enredo traz a conexão entre as pessoas no cotidiano da favela. Foto: José Bismarck.
Obra Enredo traz a conexão entre as pessoas no cotidiano da favela. Foto: José Bismarck.

Por fim, no Tempo do Futuro encontra-se o trabalho Notas Comemorativas, da professora Beatriz Pimenta. Ela reproduziu as notas de 50 cruzeiros, que tinha a imagem da Princesa Isabel na sua infância, e de 5.000 cruzeiros, com a imagem de Tiradentes, e aplicou novos personagens e frases. No lugar da Princesa Isabel, a imagem de Marielle Franco e a frase “Quem mandou matar Marielle Franco?”. A nota de 5.000 cruzeiros traz a imagem do presidente Lula e foi confeccionada antes das eleições de 2022, enquanto ele ainda estava preso. Traz as frases “Luis Inácio Lula da Silva presidente do Brasil” e “Quinhentos e oitenta dias preso ilegalmente”.

A nota com a imagem de Lula é uma versão da nota de Tiradentes. Foto: José Bismarck.
A nota com a imagem de Lula é uma versão da nota de Tiradentes. Foto: José Bismarck.

Já no lado externo do Museu, ao lado do galpão, é possível acessar a obra “Monumento patrocinado”, de Debora Pitasse, que no momento estava finalizando a colagem. É composta por lambes com a imagem e frases de Stella do Patrocínio, nascida em 1941, que passou grande parte de sua vida internada em hospitais psiquiátricos. Sua obra Falatório inspirou muitos artistas, sem o devido reconhecimento, o que levou Debora a homenageá-la.

Lambes de Debora Pitasse se localizam na área externa do Museu. Foto: José Bismarck.
Lambes de Debora Pitasse se localizam na área externa do Museu. Foto: José Bismarck.

No interior da casa de palafita fica o vídeo em stop-motion de Vix Palhano: “E quantas vezes você viu fundações se concretizando em espaços inversos?”. Foto: José Bismarck.
No interior da casa de palafita fica o vídeo em stop-motion de Vix Palhano: “E quantas vezes você viu fundações se concretizando em espaços inversos?”. Foto: José Bismarck.

A artista Júlia Lopes pendurou camisas de time entre o botequim e o Tempo da Fé, como contraponto às camisas brancas no Tempo da Água. Foto: José Bismarck.
A artista Júlia Lopes pendurou camisas de time entre o botequim e o Tempo da Fé, como contraponto às camisas brancas no Tempo da Água. Foto: José Bismarck.
Intervenções em museus

Segundo a professora Beatriz Pimenta, este projeto começou em 2014 como um grupo de pesquisa, e depois se tornou um projeto de extensão, possibilitando que os alunos participantes fossem extensionistas. Ao longo dos anos, eles fizeram intervenções nos museus Dom João VI, Museu Nacional de Belas-Artes, Museu Histórico Nacional e Museu da República. As intervenções levavam obras críticas à “história oficial” que os museus contam, o que tornou a intervenção no Museu da Maré um desafio. Demandou fazer reuniões, visitas, conversas e entender sobre o que é esse Museu e como a intervenção poderia ser positiva.

O grupo de curadores: Ivair Reinaldim, Dinah Oliveira, Clarelis da Silva e Beatriz Pimenta. Foto: Raysa Castro.
O grupo de curadores: Ivair Reinaldim, Dinah Oliveira, Clarelis da Silva e Beatriz Pimenta. Foto: Raysa Castro.


Para a professora Dinah Oliveira, o projeto possibilita experimentar um novo lugar de produção de conhecimento, fora da UFRJ, e desafia os alunos a lidar com esses conhecimentos que não são estritamente acadêmicos. “Eu não conhecia o Museu da Maré, então isso já foi um primeiro lugar de aprender alguma coisa. Aprender um espaço, como se constitui um espaço pensado com essa construção em diálogo com os moradores, com as pessoas que vivem no território”, contou. Ivair Reinaldim destacou a oportunidade que os alunos têm, no projeto, de lidar com a instituição museal, com seu acervo e com o tipo de memória que ela aciona. Para ele, a parceria com o Museu da Maré especificamente foi marcante: “Eu acho que é muito importante a relação de proximidade entre a Maré e a UFRJ, então fazer esse projeto aqui é realmente estender a UFRJ para a Maré. A gente vir pra cá, conhecer o Museu, os artistas e estudantes estarem aqui… o projeto ganha força pela relação de proximidade”. O time de três professores, juntos nesse projeto há alguns anos, foi complementado por Clarelis da Silva, que contou do desafio de estar, ao mesmo tempo, como aluna da Escola de Belas Artes, e curadora da intervenção, analisando as propostas de obras com seu olhar.


Roda de conversa

Para o final do evento estava programada uma roda de conversa, que foi precedida por uma roda de capoeira do grupo Maré de Bambas, que pratica no galpão do Museu. Na conversa, os professores e a diretora do Museu Cláudia Rose comentaram sobre o processo de organização do evento, que envolveu muita conversa e negociação pelo fato de a exposição dos Tempos já ter seus elementos e sua identidade. O grupo de docentes da UFRJ destacou a importância de, cada vez mais, unir a Maré e a UFRJ, lugares tão próximos geograficamente mas separados e “murados” de vários modos.

Roda de capoeira e roda de conversa fecharam o evento. Foto: Raysa Castro.
Roda de capoeira e roda de conversa fecharam o evento. Foto: Raysa Castro.

A intervenção PREAMAR fica disponível no Museu da Maré até o dia 15 de dezembro. Pode ser vista de terça-feira a sexta-feira das 10h às 12h e das 15h às 17h. Para visita guiada com a equipe do Museu é preciso agendar pelo e-mail contato@museudamare.org.br.

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