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ConheƧa a Favela da Kelson’s (1948)

  • Foto do escritor: contatoekloos
    contatoekloos
  • 27 de mar.
  • 8 min de leitura

Atualizado: 1 de abr.


Com informações de Anderson Gonçalves, G1, Rio on Watch e Walmyr Júnior



Foto de capa: Ana Cristina da Silva
Foto de capa: Ana Cristina da Silva

A Comunidade MarcĆ­lio Dias Ć© tambĆ©m conhecida popularmente como Favela da Kelson’s, foi formada na antiga Praia da Moreninha, entre os terrenos da Casa do Marinheiro e da fĆ”brica de couro Kelson’s. Sua fundação se localiza entre as dĆ©cadas de 1930 e 1940, por oito famĆ­lias de pescadores que ali ergueram palafitas. O seu nome oficial Ć© uma homenagem ao marinheiro da Armada Imperial Brasileira, MarcĆ­lio Dias.

Em 1982 a comunidade Marcílio Dias recebeu uma visitante ilustre: ganhadora do prêmio Nobel da Paz em 1979 Madre Tereza de CalcutÔ visitou a favela e com essa visita e a insistência da pastoral de favelas, a Marcílio Dias teve direito ao território.



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A tradicional Avenida Lobo Junior Ć© considerada uma das colunas da Penha. ResponsĆ”vel pela ligação com a Avenida Brasil, espinha dorsal da Cidade do Rio de Janeiro, foi tambĆ©m um marco da urbanização do bairro que era agrĆ”rio e virou um polo industrial na dĆ©cada de 1970. O que poucos sabem Ć© que ela comeƧa dentro da MarĆ©! Tem inĆ­cio em frente ao Cais da Kelson’s.

A comunidade de MarcĆ­lio Dias cresceu com a construção do conjunto habitacional na Ć©poca do Projeto Rio. Ɖ a comunidade mais distante do restante da MarĆ©, por ser dividida pela Ć”rea militar da Marinha.



Foto: Ana Cristina da Silva.
Foto: Ana Cristina da Silva.

Atualmente conta com uma população estimada em até 10.000 pessoas, e um comércio de pequeno porte.


Saiba mais sobre a favela e seus moradores (2025):


Esteticamente, comparando com as demais favelas do Conjunto, a Kelson’s Ć© diferente: tem ruas largas, onde passam poucos carros e motos, os moradores se locomovem tranquilamente de bicicleta e as crianƧas tambĆ©m aproveitam o espaƧo com bicicleta, patins e skate. Uma paisagem de destaque na favela Ć© o Cais da Kelson’s, uma pequena parte do que um dia foi a Praia da Moreninha. Era, no passado, um importante ponto de encontro para pescadores que dali partiam de madrugada e voltavam da pesca só de tarde. No próprio cais eles vendiam o peixe, siri, camarĆ£o…



Legenda: O Cais da Kelson’s Ć© um dos pontos de lazer para as crianƧas. Foto: Ana Cristina da Silva.
Legenda: O Cais da Kelson’s Ć© um dos pontos de lazer para as crianƧas. Foto: Ana Cristina da Silva.

Quem conta parte dessa história é o ex-pescador Luiz Carlos da Conceição, mais conhecido como Paródia, de 73 anos. Ele chegou no Rio de Janeiro com a família por volta dos 10 anos de idade, e jÔ nessa época começou a ir pro mar.

ā€œSaĆ­a duas da madrugada, quando era seis horas a gente vinha pra vender o camarĆ£o… eu ia pro lado de MauĆ”, essas beiradas de praia todinhas aquiā€ – Seu Paródia

Ele jĆ” pescou camarĆ£o eĀ siri de canoa, mas por volta dos 20 anos comeƧou a sair de traineira, um barco maior onde a pesca Ć© feita por rede, e assim comeƧou a comercializar pescado. Naquela Ć©poca, a pescaria rendia muito: os pescadores chegavam do mar com quantidade de peixe boa para vender aos clientes que ficavam no cais. Ele contou, na verdade, que na pescaria o rendimento do trabalho sempre varia: ā€œTem dia que dĆ” pouco, tem dia que ā€˜mata’ 100, ā€˜mata’ 200 quilos, tem dia que mata 20 quilos. Ɖ assim. Pescaria Ć© assim, a gente vai e nĆ£o sabeā€¦ā€. Mesmo assim, era melhor do que Ć© hoje, quando a BaĆ­a de Guanabara estĆ” muito mais suja.



Da esquerda para a direita: Paródia, Luan Santos e Lucas Santos. No alto, Luizinho. Foto: Ana Cristina da Silva. 
Da esquerda para a direita: Paródia, Luan Santos e Lucas Santos. No alto, Luizinho. Foto: Ana Cristina da Silva. 

Um dos filhos do seu Paródia, o Luiz Alves (ou Luizinho), tambĆ©m continua no ramo do peixe: ele tem uma banquinha de venda de peixe na favela, e conta com o trabalho dos irmĆ£os peixeiros Lucas Santos, de 17 anos, e Luan Santos, de 19. Eles recebem encomenda pelo ā€œzapā€, atendem quem chega na banquinha e preparam ali mesmo a limpeza do peixe. O Luizinho traz esse peixe nĆ£o do cais a menos de 1km dali, mas do CEASA, em IrajĆ”. Ele tambĆ©m jĆ” foi pescador, mas por pouco tempo, jĆ” que a produtividade Ć© cada vez mais incerta: ā€œHoje o quilo da corvina estĆ” 3 reais, mas vocĆŖ vai pro mar na sorte, tem dia que vocĆŖ volta com 200 kg, tem dia que volta com 10 kg, nĆ£o compensa nem o gelo que tu compraā€.Ā 


Estrutura de transporte, saúde e educação


Uma informação importante Ć© que, embora a Kelson’s seja reconhecida como uma das favelas da MarĆ©, por uma identificação histórica, cultural e de outros aspectos, oficialmente estĆ” vinculada ao bairro Penha Circular, pertencendo Ć  XI RegiĆ£o Administrativa do municĆ­pio (Penha) e nĆ£o Ć  XXX (MarĆ©).

A favela se localiza na fronteira com a BaĆ­a de Guanabara, e sua entrada Ć© indicada por uma placa na Avenida Brasil; só entrando pela Avenida Lobo JĆŗnior ela poderĆ” ser acessada. Estar ā€œescondidoā€ tem seus malefĆ­cios: apesar de ser oficialmente parte do bairro Penha Circular, um bairro com grande circulação de Ć“nibus, eles nĆ£o entram na Kelson’s. O Ćŗnico transporte pĆŗblico que chega Ć© a van que faz Kelson’s x Penha, com ponto final e inicial no Carioca Shopping. A van circula uma parte da Kelson’s deixando e buscando moradores, principalmente adultos, adolescentes e jovens.

Uma das características dessa favela tranquila, aos olhos de quem vem de outras favelas cariocas, é ter relativamente pouco comércio e serviços, portanto poucos postos de emprego, e apenas duas escolas públicas. Para o ensino infantil, existe a Creche Rebral, uma concessão da prefeitura do Rio de Janeiro, com acesso público e gratuito. Outras creches particulares estão no território também. A Escola Municipal Cantor e Compositor Gonzaguinha é a única pública para crianças maiores, porém só atende até o 5º ano do Ensino Fundamental. A favela também conta com outras escolas particulares, mas todas de Ensino Fundamental, deixando os adolescentes e jovens sem opção.



Fachada da escola Compositor Gonzaguinha. Foto: Ana Cristina da Silva.
Fachada da escola Compositor Gonzaguinha. Foto: Ana Cristina da Silva.

Na SaĆŗde jĆ” Ć© um pouco diferente: a Ćŗnica opção, sem alternativa no particular, Ć© o CMS JoĆ£o CĆ¢ndido, onde Ć© possĆ­vel realizar consultas, vacinação e outros atendimentos de baixa complexidade. A depender do especialista, a equipe encaminha para outra ClĆ­nica da FamĆ­lia ou CMS, e em caso de emergĆŖncia Ć© preciso sair para a UPA da MarĆ©, Hospital Geral de Bonsucesso ou outras unidades. O CMS JoĆ£o CĆ¢ndido tambĆ©m conta com o trabalho dos Agentes ComunitĆ”rios de SaĆŗde (ACS), a maioria ā€œcriaā€ do território.



Logo na entrada da favela o visitante encontra o CMS local: Ćŗnica unidade pĆŗblica de saĆŗde.Ā Foto: Ana Cristina da Silva.Ā 
Logo na entrada da favela o visitante encontra o CMS local: Ćŗnica unidade pĆŗblica de saĆŗde.Ā Foto: Ana Cristina da Silva.Ā 

Lazer para a crianƧada


A principal Ć”rea de lazer da favela Ć© o Campo da Kelson’s, um campo de futebol ao lado de uma pracinha com banquinhos e quiosques. Ɖ naquele campo de futebol que se executam alguns projetos para as crianƧas e adolescentes, criados pelos próprios moradores. Um deles Ć© o Projeto ComunitĆ”rio, que acolhe crianƧas entre 10 e 15 anos de idade, aproximadamente.



Crianças de diversas idades, meninos e meninas, treinam juntas no Projeto ComunitÔrio. Foto: Ana Cristina da Silva. 
Crianças de diversas idades, meninos e meninas, treinam juntas no Projeto ComunitÔrio. Foto: Ana Cristina da Silva. 

ƀs sextas, o Projeto oferece aula de muay thai. De segunda a quinta-feira, elas praticam futebol no campo, sempre contando com a oração e o aquecimento antes do jogo em si. Quem comanda cerca de 100 crianƧas Ć© a FĆ”tima Santos, de 21 anos, mais conhecida como Fatinha, e ela conta que o principal objetivo Ć© dar uma ocupação Ć s crianƧas do território: ā€œNĆ£o tinha nada para as crianƧas, a gente via eles fazendo brincadeira de coisa que nĆ£o deve, de arminha (…) Ć s vezes a gente leva eles pra jogar com outro time, eles jogam, brincam, tiram foto, jogam no grupoā€. Mesmo com uma finalidade mais recreativa do que profissionalizante, ela lamenta que eles tenham poucos recursos para o bĆ”sico: as crianƧas nĆ£o tĆŖm colete para treinar, muitos sequer tĆŖm meiĆ£o e a chuteira apropriada. Para a quantidade de crianƧas que participam, os apoios em dinheiro e material sĆ£o insuficientes. Mesmo assim, o grupo jĆ” recebeu algumas doaƧƵes de grande porte, passando de 100 chuteiras de fontes diversas como a PUC-Rio e o G10 favelas. Moradores ativos nos projetos do bairro, como Jedai e Walmyr, sĆ£o alguns dos que fazem a ponte para o apoio.

Outro grupo que utiliza o campo Ć© o Associação Kelson’s Futebol Club, o AKFC, do treinador AndrĆ©. Trata-se de um time de adolescentes e jovens mais voltado para a profissionalização, que inclusive participa da TaƧa das Favelas e viabiliza testes em times maiores.



A horta Maria Angu Ć© mantida por moradores e apoiadores; vai completar 4 anos de existĆŖncia. Foto: Ana Cristina da Silva.
A horta Maria Angu Ć© mantida por moradores e apoiadores; vai completar 4 anos de existĆŖncia. Foto: Ana Cristina da Silva.

Outro projeto de destaque na Kelson’s Ć© a Horta-Escola ComunitĆ”ria Maria Angu, localizada bem em frente Ć  Associação de Moradores, na entrada da favela. A horta foi criada em abril de 2021, como projeto de extensĆ£o da PUC-Rio, e comandada pelo historiador e mobilizador social Walmyr JĆŗnior. Ela Ć© mantida por colaboradores do projeto, de dentro do território e de fora, e tem mutirƵes periódicos divulgados pelo Instagram @hortamariaangu. Os alimentos, quando prontos para o consumo, sĆ£o encaminhados a unidades de educação do território.


Mais sobre a história da Kelson’s e a resistĆŖncia de seus moradores


Segundo o historiador e morador Walmyr Júnior, o conjunto habitacional Marcílio Dias até a década de 1960 era conhecido apenas como Praia da Moreninha. Afirma-se que a ocupação por moradores começou entre as décadas de 1930 e 1940, sendo principalmente pescadores, migrantes vindos do nordeste e moradores de favelas removidas no entorno da Maré e Leopoldina; como em muitas partes da Maré, essas residências eram palafitas sobre o mar. Aquela Ôrea da Baía de Guanabara era muito frequentada por pescadores, de dentro e de fora do território.


Em 1956 o presidente Juscelino Kubitschek concede Ć  Igreja Católica, os terrenos de marinha situados no litoral da Penha. Um dos objetivos era que a igreja comercializasse o terreno para o desenvolvimento de construƧƵes de conjuntos residenciais, como a Cruzada SĆ£o SebastiĆ£o no Leblon e Parque alegria no Caju. No local da Ć”rea alagadiƧa aterrada foi construĆ­do o Mercado SĆ£o SebastiĆ£o, onde atĆ© hoje estĆ” a bolsa de gĆŖneros alimentĆ­cios do Rio de Janeiro. Em meados dos anos 1960, favelas próximas viviam o processo de remoção, a exemplo da Maria Angu, tambĆ©m localizada em beira de praia, mas Kelson’s resistiu a essas pressƵes apoiada, principalmente, pela Pastoral de Favelas da igreja católica. A favela jĆ” tinha casas sobre ā€œchĆ£o firmeā€, pois as primeiras casas de madeiras foram construĆ­das para os trabalhadores da fĆ”brica de couro Kelson’s; era a Vila Kelson’s. Mas atĆ© os anos 1980 as palafitas permaneceram.

No início dos anos 1980, o Estaleiro Engenharia & MÔquinas S.A., empresa mais conhecida como EMAQ, iniciou um processo de aterramento da Ôrea alagada, para que o próprio estaleiro tivesse sua saída para o mar. Apesar de a Justiça se posicionar a favor dos moradores, assim como a Pastoral de Favelas, o aterramento continuou e o esgoto da comunidade ficou sem caimento, chegando a haver entrada da Ôgua do mar na casa dos moradores. Este aterramento bloqueou o acesso da favela ao mar, prejudicando principalmente os pescadores.



Foto da Kelson’s publicada em 2002 na edição 23 do Jornal. Foto: RosĆ¢ngela Barbosa.Ā 
Foto da Kelson’s publicada em 2002 na edição 23 do Jornal. Foto: RosĆ¢ngela Barbosa.Ā 

Em 26 de setembro de 1982, Marcílio Dias recebe a visita da Madre Tereza de CalcutÔ, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 1979, via articulação do Arcebispo Dom Eugênio Sales e da Pastoral de Favelas.

Nessa mesma época, a Marcílio Dias era uma das favelas onde se almejava executar programas governamentais como Projeto Rio de Programa João de Barro, relativos, na teoria, a urbanização. Organizados, os moradores expressavam que seu maior desejo era não haver a remoção da população para um local distante; portanto uma futura remoção só poderia ocorrer em terreno aterrado próximo. A visita da Madre Tereza é considerada um fato fundamental para que a remoção de fato não acontecesse.

O resultado foi o nascimento de um programa de autoconstrução dos moradores, através do Programa João de Barro. Eram verdadeiros mutirões para a construção das casas, e foi assim que a população da Marcílio Dias saiu das palafitas sem sair do território. Observando a atual paisagem da favela, pode-se afirmar que muitas das casas construídas nessa época continuam de pé, e os moradores são, em grande parte, descendentes dos que chegaram nas primeiras décadas de ocupação.


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