Por Matheus Frazão
Nos dias 27 e 28 do mês de março aconteceu o I Festival Entre Lugares Virtuais, respectivamente as apresentações das cenas e a premiação. Como o próprio nome aponta, o palco foi visto da tela de computadores, celulares e toda a tecnologia que possibilita o teatro de se reinventar em meio à pandemia. As cenas foram gravadas nos dias 15, 16 e 17 de março, com as apresentações separadas nesses três dias para que não houvesse aglomeração dos grupos.
Em parceria com o artista mareense Jeferson Melo, o projeto Entre Lugares Maré apresenta o formato virtual de um Festival que, nos anos anteriores, realizou seis edições de modo presencial, acontecendo em dois espaços da Favela da Maré. Os festivais se iniciam na Ação Comunitária do Brasil e logo após o encanto dá asas no palco do Museu da Maré; tanto o projeto de teatro quanto o Museu têm objetivos similares quando falamos da preservação da memória e disseminação da cultura enquanto um agente ativo no processo de formação. Na primeira montagem de espetáculo do projeto Entres Lugares Maré, a temática foi voltada para nomes de moradores que construíram e fundaram a Maré como Sr. Jaqueta, Sr. Atanásio, Dona Orozina e tantos outros, tendo como lugar principal para suas pesquisas o Museu da Maré.
No ano de 2020, fomos acometidos pelo vírus da Covid-19, que ao decorrer dos meses apresentou mutações fazendo com que profissionais da saúde corressem contra o tempo em busca da vacina. O mundo paralisou, não havia como continuar em meio a tantos infectados e mortos em um tempo tão curto, e consequentemente o setor cultural fechou suas cortinas e se refez pelo atual teatro audiovisual.
A Lei Aldir Blanc e um novo fôlego para o teatro
A Lei Aldir Blanc (Lei n° 14.017, de 29 de Junho de 2020) veio como resposta aos profissionais da cultura, lançando editais voltados para todo os tipos de fazer artístico, enquanto não acaba o estado de calamidade causado pelo vírus da Covid-19. Para Flávio Vidaurre, coordenador artístico do Projeto Entre Lugares Maré, “a abertura do edital Fomenta o Festival, lançado pelo Governo do Estado de Cultura do Rio de Janeiro, foi a oportunidade de artistas e grupos teatrais pertencentes às favelas e periferias da cidade continuarem nas produções independentes e pesquisas teatrais, resistindo em meio à terrível realidade acometida pela pandemia de coronavírus”.
A partir da Lei Aldir Blanc o I Festival Entre Lugares Virtuais foi incentivado, gerando e compartilhando essa renda, que é um dos objetivos da lei: prevê maior circulação desse dinheiro entre trabalhadores da cultura.
“Cavalo Alado” de Matheus Frazão. Direção: Diogo Nunes. Foto: Thiago dos Santos (@olharnafotografia)
As gravações do Festival ocorreram no galpão do Museu da Maré, respeitando todos os protocolos de saúde para que se pudesse realizar o evento. Foram 10 cenas escolhidas para contarem suas histórias, todos os grupos são de favela ou periferia do Rio de Janeiro, um dos critérios de seleção dos candidatos. As narrativas e gêneros foram diversas, desde o metateatro até a performance, representando a pluralidade das e dos artistas da Maré que estiveram no palco do Museu. As cenas participantes foram: “Sankofa”, “O amor foi uma coisa negada pra gente”, “Quarto dos lamentos – histórias cotidianas”, “Ìku: Reflexões sobre ausências”, “Oranian”, “Pedras do Caminho”, “As falas dela”, “Cavalo Alado”, “Muxima: Coração que sangra” e “Pombagiresca”.
Um dos intuitos do festival é que as bolsas ganhas pelas 10 cenas sirvam de incentivo para que esses artistas possam continuar suas pesquisas Foram diversas as categorias, com uma criada especialmente para esse modo virtual, a de “Melhor dramaturgia”, levando em consideração que as dramaturgias dos festivais anteriores são adaptações dos clássicos do teatro, como Nelson Rodrigues, Eugène Ionesco, Eurípedes e etc.
As premiações de melhor ator, atriz, direção e melhores cenas, tiveram premiação em dinheiro, e também foram confeccionados troféus para as demais categorias, feitos pela artista visual mareense Milena Vital.
Os desafios do teatro pelo virtual
Um dos questionamentos atuais é sobre a dualidade do teatro e do audiovisual, onde pergunta-se quais são os parâmetros estabelecidos para afirmar o que é ou não é teatro. É sabido que esse fazer milenar se encontra firme e atuante mesmo nas plataformas virtuais; em entrevista com o ator Edson Sodré, participante do festival, ele relata sobre o teatro virtual, “mais uma ferramenta para quem usa o teatro como uma arma com a qual luta contra as mazelas sociais”.
Em entrevista também com a atriz Camila Moura ela nos diz o seguinte : “As pessoas têm mais autonomia para poder publicar o seu trabalho, exibir, compartilhar, não que seja algo que eu concorde, nosso palco é algo insubstituível”.
“O amor foi uma coisa negada pra gente” de Bárbara Assis e Camila Moura. Direção: Nlaisa Luciano. Foto: Thiago dos Santos (@olharnafotografia)
Criar tem sido um desafio para artistas, olhar para suas casas como espaço de ensaio, de criação, todo um processo capturado por uma câmera, permitindo que os telespectadores assistam essas criações de suas casas, por medidas preventivas, por vezes tendo que lidar com a instabilidade da internet, sobretudo nas favelas onde o acesso à internet é escasso A atriz Bárbara Assis relatou seu pensamento acerca da criação virtual: “Acredito que a palavra maior foi: desafio. Acredito também que o desafio nos dá novas possibilidade de enxergar as coisas, se não fosse o contexto, a gente não teria chegado na temática, ao mesmo tempo que foi desafiador, foi uma espécie de refúgio também”.
Vencedores e premiações
No dia 27 de março às 20h as 10 cenas foram apresentadas ao público em geral, noite que resultou em um encontro virtual de muita potência artística. No dia seguinte, 28 de março, aconteceu a premiação das melhores cenas do festival, com prêmio em dinheiro para os vencedores e troféus divididos por categorias. “Cavalo Alado”, cena escrita e interpretada pelo artista Matheus Frazão e dirigida por Diogo Nunes, foi a grande vencedora do Festival e, em seguida, tivemos premiação da segunda melhor cena para “ÌKU – Uma reflexão sobre ausência” e a terceira melhor cena para “Quarto dos Lamentos – Histórias Cotidianas”.
A cena vencedora, Cavalo Alado, traz uma reflexão acerca das operações nas favelas, sobretudo, na favela da Maré, onde o Estado se faz ausente e sua única presença tem sido a violação dos direitos humanos. Yma cena que narra uma composição híbrida entre o corpo e a poesia e nos questiona sobre a marginalização desses espaços, até onde somos pertencentes dessa cidade, enquanto cidadãos possuidores de direitos?
Para quem não teve a oportunidade de ver esses artistas tomando a cena, ainda dá tempo, é só acessar o canal do Youtube Entre Lugares Maré, lá vocês conseguem assistir as apresentações e a premiação.
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