Colegiado CEASM
A criação de diversas ONGs na Maré não representou um fato isolado no processo de surgimento de organizações do mesmo tipo em todo o Brasil. Esse processo teve início na década de 1970, quando surgiram algumas organizações, que foram constituindo uma história comum ao longo dos anos de 1980, recebendo maior destaque a partir da ECO 92, da qual tais instituições participaram ativamente. Como narramos no primeiro capítulo da história do CEASM, a instituição se diferencia da maioria das ONGs, pois “…foi organizada por pessoas de dentro do território e, portanto, por militantes que não carregavam consigo os velhos estereótipos sociais depreciativos sobre a favela”.
Dessa forma, o CEASM foi criado com a missão de promover ações qualitativas, integradas e de longo prazo no espaço local, visando melhorar a qualidade de vida dos moradores da Maré e contribuir para a superação das representações estereotipadas da favela que orientam a opinião pública em geral e, em particular, a opinião pública carioca. Seus fundadores estabeleceram então, como uma das estratégias de atuação, a criação do projeto do Curso Pré-Vestibular Comunitário, colaborando para ampliar o acesso dos moradores ao ensino superior, especialmente o ingresso na Universidade pública. Esperava-se com isso, fortalecer a luta pela democratização do acesso à Universidade e contribuir com o debate sobre a importância da educação pública de qualidade, a partir da perspectiva dos moradores das favelas.
CPV, o primeiro projeto
Em 1996, os fundadores do CEASM começaram a sonhar e planejar ações coletivas e abrangentes, que seriam desenvolvidas no território da Maré. Naquele momento, alguns tinham concluído o ensino superior e trabalhavam em suas áreas de formação acadêmica; outros estavam fazendo a graduação, mestrado ou doutorado. O que todos tinham certeza era de sua condição de privilégio dentro de uma realidade de exclusão da grande maioria dos moradores, que não tinha acesso à universidade.
A consciência dessa privação de direitos e o desejo de construção de uma sociedade equânime motivaram a criação do primeiro projeto do CEASM, o CPV Comunitário da Maré. Os fundadores sabiam que era fundamental valorizar os saberes existentes na Maré, por isso priorizaram selecionar educadores mareenses para participar do projeto. Dessa forma, a maior parte da primeira equipe docente do CPV foi composta por moradores ou ex-moradores, que tinham concluído ou estavam concluindo a licenciatura nas disciplinas oferecidas pelo projeto.
Para a implementação do curso, foram necessárias várias parcerias. Uma das primeiras ocorreu com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj), que já desenvolvia um Pré-Vestibular para funcionários e seus dependentes – muitos deles moradores da Maré. As equipes do CEASM e do Sintufrj construíram juntas a metodologia do CPV, que teve suas primeiras apostilas impressas pelo sindicato.
Outra parceria estratégica e fundamental foi a que ocorreu com a diretoria da Associação de Moradores do Morro do Timbau que, além de ceder em comodato ao CEASM o prédio localizado na Praça dos Caetés para o funcionamento da instituição, também conseguiu viabilizar recursos financeiros junto à Embaixada do Canadá, o que tornou possível a reforma do imóvel, incluindo as salas de aula para as primeiras turmas do CPV.
Finalmente, em fevereiro de 1998, as aulas tiveram início com 140 alunos organizados em duas turmas. Como a sede do CEASM estava em obras, as atividades do projeto ocorreram na paróquia Nossa Senhora dos Navegantes. Essa parceria foi muito importante para que não houvesse atraso no cronograma das aulas. Ela só foi possível graças à mediação de paroquianos, que apresentaram o projeto ao padre e avalizaram a seriedade da proposta junto à Comissão Paroquial.
O trabalho em redes
O Curso Pré-Vestibular Comunitário foi fundamental para a criação de redes, pois viabilizou inúmeras parcerias técnicas e financeiras, além de mobilizar várias pessoas e instituições em torno das propostas do CEASM. O trabalho passou a ser desenvolvido a partir da formação de redes sociopedagógicas, que visavam articular grupos sociais comprometidos com o exercício da cidadania e a ampliação de direitos dos moradores locais, além de contribuir para a criação de políticas públicas que levassem em consideração a realidade das favelas.
O CEASM passou a desenvolver suas ações a partir de três redes, que agregavam projetos afins, distribuídos da seguinte forma:
A) Rede de Educação
Curso Pré-Vestibular Comunitário (CPV-MARÉ)
Curso Preparatório para o 6º Ano do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio
Núcleo de Línguas Estrangeiras
Oficinas de Informática
Programa de Criança Petrobrás nas Escolas
Observatório Social da Maré
Projeto Adolescentro (protagonismo do adolescente na área de saúde)
B) Rede de Comunicação
Jornal O Cidadão (tiragem bimestral de 20.000 exemplares)
NIC (Núcleo de Imagem e Comunicação: oficinas de formação de adolescentes e jovens nas áreas de produção gráfica, textual, fotográfica e de vídeo)
C) Rede de Cultura
Rede Memória
Escola de Dança
Oficinas Culturais (artes plásticas, capoeira, teatro, dança afro, música, percussão, cinema)
Marias Maré (artesanato com mulheres)
Para desenvolver esse conjunto de projetos articulados em redes, o CEASM estabeleceu diversas parcerias com instituições públicas e privadas; locais e de outras partes da cidade, como por exemplo, a INFRAERO, PETROBRAS, FIOCRUZ, UFRJ, UFF, UNIRIO, Concessionária da Linha Amarela S.A (LAMSA), Minasgás, Instituto Desiderata, Fundação Ford, Secretarias Municipais de Educação e Saúde, Ministério da Cultura, IPHAN, SESI, Fundação Leão XIII, Terminal 1 de Transporte Marítimo, algumas associações de moradores, postos de saúde, igrejas e escolas públicas e ONGs locais.
O rápido crescimento do CEASM
Graças ao trabalho em redes e ao estabelecimento de várias parcerias, o CEASM cresceu rapidamente. Em 2002, a parceria com a Fundação Leão XIII e a Associação de Moradores da comunidade Nova Holanda possibilitou a expansão das ações realizadas pela instituição. Em agosto daquele ano, o CEASM ampliou sua atuação na Maré com a inauguração de um núcleo na rua Sargento Silva Nunes, em Nova Holanda.
Já em 2003, em parceria com a empresa Terminal 1 de Transporte Marítimo, foi inaugurada a Casa de Cultura da Maré, localizada na Avenida Guilherme Maxwell – parte baixa do Morro do Timbau. O imóvel pertencia à empresa e foi cedido em comodato ao CEASM, que decidiu realizar ali os projetos da Rede de Cultura. Esse espaço cultural passou a ser referência cultural para os moradores e toda a cidade, principalmente após 2006, ano de fundação do Museu da Maré.
O trabalho em redes e o legado do CEASM
O rápido crescimento da instituição trouxe grandes desafios, como também pode ser relacionado aos fatores que geraram a crise e o rompimento entre os fundadores da instituição (esse tema foi profundamente abordado na introdução da história do CEASM). Apesar das perdas, a instituição continuou resistindo e ressignificando sua trajetória nesses 23 anos. A militância foi fundamental para que novas possibilidades de atuação fossem criadas pelo CEASM.
A partir do trabalho engajado de quem permaneceu firme em seus ideais foi possível preservar o legado do CEASM. Um legado de afetos, lutas, sonhos, realizações. Antes da criação da instituição e de suas redes, as reivindicações locais eram, em sua maioria, voltadas para os direitos básicos dos moradores, como acesso à água encanada, luz, asfaltamento das ruas, tratamento de esgoto etc. Com as ações desenvolvidas a partir de redes sociopedagógicas, surgiram novas demandas e perspectivas reivindicatórias, tais como o acesso ao direito a bens culturais e à educação superior; a valorização e preservação das memórias e patrimônios locais; a democratização da comunicação e a produção profissional de veículos de informação a partir do protagonismo das favelas etc.
Manter uma instituição viva e coerente com seus ideais de inserção e comprometimento com a Maré ao longo de 23 anos não é pouca coisa. São mais de 8 mil e 400 dias de existência!!! E cada um deles valeu muito a pena. CEASM: somos nossos sonhos e nossas lutas. Vida longa!!!
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