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Antirracismo e abolicionismos no Museu da Maré


Por Carolina Vaz – publicado originalmente no Jornal O Cidadão


Como combater o racismo e suas formas mais cruéis – a perda da vida e da liberdade – dentro e fora das instituições? Como pensar um sistema que não puna pelas polícias e prisões? Esse foi o tema da roda de diálogo “Militarização de territórios populares, lutas contra o racismo e movimentos abolicionistas” que aconteceu no Museu da Maré na última quinta-feira (09). O debate fez parte do seminário internacional Geografias Negras Globais, que estava sendo realizado em diversos espaços do Rio de Janeiro desde o dia 07, reunindo militantes, acadêmicos da Geografia e outros interessados, do Brasil e Estados Unidos. A roda de conversa no Museu da Maré teve a participação de Luiz Lourenço, geógrafo e pesquisador e educador do CEASM e Museu da Maré; Giselle Florentino, da Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial (IDMJR); e Lívia Vidal, ativista de Justiça Restaurativa. Além da mediação de Patrícia Oliveira, da Rede Nacional de Mâes e Familiares Vítimas de terrorismo do Estado.


Roda de diálogo levou militantes e estudantes de vários estados do país para o Museu da Maré. Foto: José Bismarck.


O antirracismo em trabalhos com crianças e adolescentes


Luiz Lourenço, geógrafo e educador do Preparatório e do Pré-vestibular do CEASM, contou um pouco de sua experiência nesses espaços, trabalhando o antirracismo com os mais novos através de mapas. Ele contou de um trabalho iniciado em 2015, os mapas de cartografia social, em que a partir do mapa da Maré os alunos deveriam indicar os lugares de violência/medo, de tristeza, de lazer/liberdade e de felicidade. Era a época da invasão do Exército na Maré, e ele chegou a presenciar um tanque apontado para o CEASM. Com a atividade, o professor percebeu que para muitos o lugar de tristeza e violência era a própria casa, onde não se sentiam seguros. A partir disso e de uma visão crítica sobre o contexto, Luiz Lourenço começou a trabalhar conteúdos que fizessem os alunos voltarem a se identificar com seu bairro, com a Maré. “Eu acho importante o antirracismo começar pelos mais novos”, afirmou no evento. Para ele, o desafio na propagação do antirracismo hoje é fazer com que ele saia dos espaços de discussão como da militância e educação para chegar nas outras pessoas, como nos próprios vizinhos de quem estuda o tema.


Luiz Lourenço falou da cartografia social como ferramenta de identificação com o território. Foto: José Bismarck.


A vivência com efeitos da militarização dos territórios, e da lógica racista que priva de liberdade a população negra desde a infância, esteve na fala também de Lívia Vidal. Ativista de Justiça Restaurativa, ela é diretora da Escola de Gestão Socioeducativa do Degase, o sistema de privação de liberdade para menores. Enquanto grande parte da sociedade pensa que esses jovens “não têm solução”, eles vêem os agentes do Degase (mais de 70% homens, e dentre eles a maioria negros) como monstros. Ela apresentou, então, algumas iniciativas realizadas para trabalhar as relações raciais e o antirracismo dentro do sistema, como o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, criado em 2015, e uma exposição criada em 2018 envolvendo os adolescentes, professores, agentes e outros para pensar o racismo a partir do assassinato de Marielle Franco. Assim como Luiz Lourenço, ela expressou a necessidade de expandir a lógica não punitivista para as escolas e as próprias famílias.


Lívia Vidal falou da experiência no sistema socioeducativo. Foto: José Bismarck.


Abolição das polícias e das prisões

Para se acessar direitos básicos, como saúde, educação e moradia, é preciso estar vivo. A partir dessa lógica, Giselle Florentino iniciou sua fala identificando o fim das polícias e das prisões como a fronteira de luta mais urgente da população negra. Coordenadora da Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial (IDMJR), ela falou sobre a ineficiência da polícia em prender e matar menos, mesmo diante de tentativas como armas menos letais e formação em direitos humanos. Assim como a ineficiência das prisões em de fato ressocializar alguém. Isso porque são estruturas criadas pela branquitude, para defender a esta e ao Estado. Segundo pesquisa da IDMJR, 93% das pessoas não confiam na polícia, mesmo que a grande maioria delas (78%) já tenham buscado a polícia para resolver situações, sem ficarem satisfeitas com o serviço.


Giselle Florentino defendeu a abolição das prisões e polícias como a pauta mais urgente da população negra. Foto: José Bismarck.


Fransérgio Goulart, também membro da IDMJR, explicou que existem outros dispositivos não punitivistas e que podem evitar prisões, como as audiências de custódia. Além disso, tirar os 12 bilhões de reais anuais que o estado do Rio de Janeiro aloca na pasta de segurança pública, e garantir o controle externo da polícia pelo Ministério Público. Porém, tendo em vista que não somente a polícia é racista como também o Judiciário, Fransérgio e Giselle defenderam outras formas de proteção e resolução de conflitos para além dos mecanismos institucionais. “Pensar a abolição hoje é pensar efetivamente a liberdade do corpo negro”, afirmou Giselle Florentino, defendendo que é preciso construir outras formas de existência, de se viver em sociedade sem punitivismo, e que por mais que a abolição das prisões e das polícias pareça distante, a gente precisa da utopia para se movimentar.


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