Por Carolina Vaz, publicado originalmente no Jornal O Cidadão
O Curso Preparatório para Ensino Médio, do CEASM, realizou no dia 05 de novembro seu evento anual Preparatório de Portas Abertas. Uma vez por ano, estudantes e professores mostram trabalhos desenvolvidos em sala de aula sobre temas diversos, dentro do que é estudado ao longo do ano mas tentando trazer também elementos inovadores do qual o público vá gostar. Essa edição, a primeira presencial desde 2019, foi capaz de agregar as turmas de 5º e 9º anos do curso, e as diversas disciplinas, representadas por 14 educadores.
Deslocar a referência
Alguns dos trabalhos apresentados passavam por deslocar olhares sobre o mundo. É o exemplo de Geografia e Prática de Leitura e Escrita. A professora Ana Paula Pereira, que trabalha leitura e escrita com as turmas de 5º e 9º anos, aproveitou as premissas da Lei 10.639, que obriga o ensino de cultura africana e afrobrasileira nas escolas, para levar conhecimentos sobre a cultura de países africanos através de livros. Ela apresentou obras como “África: contos do rio, da selva e da savana” e “Sabá e a planta mágica” para mostrar aos alunos que, se na cultura brasileira e ocidental em geral temos fábulas com animais, na cultura africana tradicional a vida humana não é tão separada dos elementos da natureza. Existe uma relação mais intrínseca, o que leva aos contos citados em relação ao Rio Níger e ao café. Esse trabalho foi realizado de formas diferentes com as turmas, e no evento foram expostos autores africanos e afrobrasileiros, referências na literatura antirracista, a partir de atividades com o 9º ano. Já com o 5º ano o primeiro passo foi apresentar a diferença entre África e países africanos, de modo que o trabalho resultante foi a apresentação de bandeiras antes desconhecidas pelas crianças.
Para a turma de 9º ano esse trabalho conversou também com o de Geografia executado pelos professores Luiz Lourenço e Jesse Bechtluft: eles apresentaram capitais do mundo pouco conhecidas pelos alunos. Essa atividade se iniciou, como contou o professor Luiz Lourenço, com a realização de seminários: de uma grande lista que os professores possuem, foram selecionadas 5 cidades e sorteadas para os grupos pesquisarem e apresentarem dados em seminário. São elas: Cidade do México, Lagos (capital da Nigéria), Tunis (capital da Tunísia), Beirute (capital do Líbano), Cabul (capital do Afeganistão). Como capitais fora do circuito europeu e estadunidense, foram desafios até para os adolescentes descobrirem as informações. “Eles gostam da pesquisa porque é algo novo, mas às vezes é difícil de encontrar. A gente estimula um processo de pesquisa nos moldes do que é na universidade: vai pesquisar, vai colocar fonte, vai fazer slides…” explica Luiz Lourenço. Depois, os trabalhos são convertidos nos cartazes expostos no evento. Quem não é da turma e apareceu para visitar se surpreendeu com as informações, e os educadores mostraram aos pais que existem opções de turismo para além de cidades famosas e distantes do Brasil.
O lúdico na ciência
Um elemento muito presente nas edições do Prep de Portas Abertas é a união entre elementos lúdicos e os conhecimentos a serem passados. Os jogos estavam presentes em diversos trabalhos mas principalmente nos de Álgebra, com o jogo de dados em que é preciso fazer operações de soma e subtração, e na Geometria. O educador Marcos Vinícius Lopes apresentou doenças que podem ser evitadas ou minimizadas com o uso de jogos, a exemplo de Mal de Parkinson, ansiedade, depressão e Alzheimer. Na atividade feita com a turma de 9º ano foram confeccionados jogos que trabalham o raciocínio e estratégia, como dama, dominó, ludo e um jogo básico do tipo Trilha. Para Marcos, a confecção foi fundamental para a integração da turma ao projeto: “Eu vejo que o material feito à mão pelos alunos dá mais valor, dá mais crédito ao trabalho. Eu sempre os motivo a fazer”.
Os jogos também estavam presentes em outros temas, a exemplo de robótica, com produções feitas pela parceria com a APDZ, e jogos africanos. A equipe de educadores, alunas e alunos também produziu diversas maquetes, reproduzindo tipos de usinas de energia e hormônios que interferem na saúde mental. Outros temas abordados foram os prós e contras da legalização da maconha e os benefícios de plantas que podem ser utilizadas como temperos e chás e cultivadas em casa. As educadoras Bia Virgínia e Nathália Souza ainda apresentaram um grande mural de produções feitas com os alunos sobre a identidade de mareense, nas quais os cartazes tinham recortes, frases e pinturas que pudessem representar o que se sentia sobre isso. Elas ainda exibiram o vídeo “Do que é feita a Maré?” na qual os próprios alunos falam sobre essa identidade, e adultos contam de suas memórias sobre o bairro.
Outro trabalho realizado pela educadora Beatriz Virgínia, com a turma de 5º ano, foi a música “Maré, meu orgulho”. A canção foi inspirada no estudo realizado ao longo do ano sobre as culturas indígena e africana, e a partir de uma oficina de rap com o rapper angolano Nizaj, a turma manifestou o desejo de criar um rap também. Após divisão em grupos, a composição coletiva saiu, com o refrão “eu venho da Maré e tenho muito orgulho, por isso agora sou eu que domino esse bagulho”. As crianças apresentaram no evento acompanhadas por Nizaj no cajon.
Momento de orgulho e reencontro
A aluna Millena Barbosa, da turma do 9º ano, contou que participou de vários trabalhos: o jogo da memória algébrico; a horta caseira; sobre a Cidade do México; e também legalização da maconha. Mas o que mais gostou foi de preparar o jogo africano Sengah, e de mostrar o resultado do seu trabalho para quem visitou o CEASM naquela tarde de sábado. “Eu gostei mais de expor todo o nosso trabalho feito por semanas e mostrar para as pessoas o que vem sendo trabalhado no Preparatório, que é maravilhoso”, afirmou.
Uma das pessoas que foi ao evento pela primeira vez foi Tadeu Lima, professor de Geografia da Escola Sesi de Benfica. Como uma escola de nível médio, ele afirmou que a equipe se interessou por conhecer o trabalho do Preparatório, inclusive por ser num bairro próximo, e aproveitou o evento para isso. “Minha impressão é a melhor possível. O que eu vi de trabalho nas salas é algo muito único, muito particular, resultado de um trabalho que a gente vê que é um processo que foi sendo construído”, destacou.
Quem esteve pela segunda vez foi a ex-aluna Maria Luiza do Nascimento, que cursou o Preparatório para Ensino Médio em 2018. Para ela, o evento daquele ano ainda é uma lembrança muito boa, e agora, já concluindo o Ensino Médio no Colégio Pedro II, resolveu voltar para prestigiar o trabalho dos educadores e dos novos alunos “Vim pelas saudades, para relembrar. Eu também acho que eu devia estar aqui, porque graças a esse lugar eu pude chegar onde eu cheguei, e foi incrível, está sendo muito especial hoje”.
Primeiro evento no pós-pandemia
Esse foi o primeiro Prep de Portas Abertas desde o retorno da instituição para as atividades presenciais, e dois grandes desafios foram incluir a turma de 5º ano, composta ainda por crianças, e engajar os adolescentes do 9º ano após tanto tempo de ensino remoto. A convivência com os alunos desde o início do ano, aliada à troca constante entre educadores, junto à coordenação do curso, levaram-nos a adotar caminhos certeiros. “A equipe se engajou mais em pensar estratégias mais lúdicas, por isso os jogos vieram muito mais fortes esse ano”, explica o coordenador João Batista Henrique. Quanto ao 5º ano, os pequenos se mostraram muito dispostos a construir as atividades, porque, segundo JB, eles “topam tudo”, são mais interessados e curiosos.
A construção do evento em si passa não só pela escolha dos temas mas por um trabalho com a turma, realizado ao longo de todo o ano, focado na autonomia: eles precisam se sentir os protagonistas do saber, e eles vão combinar com os professores os projetos a serem executados. De certa forma, o evento é a finalização de uma expectativa construída por bastante tempo, desde a concepção da atividade, sua confecção até a apresentação em si. Como o Preparatório de Portas Abertas costuma acontecer sempre entre outubro e novembro, o momento é também um sinal de que o curso está chegando ao fim, e por isso há respeito à confraternização dos alunos nesse dia que é sim pedagógico mas pode ser também divertido e recreativo.
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